sexta-feira, 28 de maio de 2010

Primeira Vez


Foi num entardecer de finais de Verão que tudo aconteceu.
Eu estava de férias em casa de uns primos.
No grupo daquele ano em particular, em que uns estavam a sair da adolescência e outros ainda plenamente mergulhados nela, encontrava-se também Bernardo, um amigo deles que viera do Norte e que eu não conhecia.
Bernardo era um rapaz grande, um nadador exímio e detentor de uma jovialidade contagiante. Tinha uns olhos verdes, límpidos e sorridentes, um cabelo castanho-cobre povoado de caracóis perfeitos, como se tivessem sido esculpidos e uma voz de tenor, vibrante, rica e melodiosa.
Bernardo ria e brincava com todos, excepto comigo. Sem deixar de ser cordial, tratava-me com um certo distanciamento. Eu ia pensando em inúmeras razões para esta realidade... pensei que se devia ao facto de eu ser um ou dois anos mais novo e de não estar ainda na faculdade... ou que tudo tinha a ver com a minha falta de destreza para os desportos em geral, aliada a uma crónica inibição verbal para a socialização imediata... ou possivelmente que se tratava da frieza a que já estava habituado por parte das outras pessoas devido à minha aparência andrógina
Como não conseguia alcançar uma resposta resignei-me a ficar mais uma vez na sombra de todo aquele convívio saudável, onde também entravam belas desconhecidas de cabelos longos e brilhantes e rapazes esculturais de olhar magnético. Contemplava-os à distância, lindos e sorridentes em fatos de banho coloridos e com toda a sensualidade insinuante e descuidada da juventude em pleno desabrochar.
No dia em que tudo aconteceu, lembro-me que estava sozinho, como habitualmente. Acho que todos tinham ido buscar o jantar a uma churrascaria e que iriam demorar um pouco. Todos, excepto Bernardo, que ficara na praia a conversar animadamente com uns turistas alemães.
Lembro-me ainda de estar dentro de água e da praia inundada pela luz dourada do sol, dos vultos ao longe, das ondas a embalarem-me o corpo suavemente e da sensação das pontas dos dedos dos pés tocando ao de leve a areia semeada de escolhos, ora polidos ora cheios de arestas acutilantes.
Depois havia florestas de algas que se insinuavam secretamente em manchas escuras e me enlaçavam suavemente. O temor inicial de ser arrastado por elas para o fundo do mar foi substituído por uma sensação de torpor. Era como um jogo de cabra cega em que centenas de dedos me tocavam inesperadamente na pele, povoando-a de reflexos inacabados e de apelos mudos e insondáveis. Senti o fato de banho a descair debaixo de água e retirei-o. Fechei os olhos e deixei-me envolver e acariciar.
A certa altura uma sensação de terror invadiu-me ao aperceber-me que o fato de banho me escapara das mãos. Já não havia muita gente na praia, mas como percorrer o areal até casa sem dar nas vistas? A distância não era longa mas parecia inalcançável com este contratempo. Nunca tinha estado sem roupa desta maneira.
Permaneci uns momentos voltado para a praia com a água pela cintura e acariciando os braços inconscientemente, sem saber o que fazer. Depois, num ímpeto irracional, saí da água e corri com toda a força em direcção a casa. Sentia a aragem fria petrificar-me a pele, os cabelos pesados e molhados a soltarem-se em lascas, os mamilos endurecidos e o sexo solto balouçando entre as pernas.
Felizmente, ao chegar, a porta estava aberta.
Entrei ofegante e parei por uns momentos a descansar. As venezianas estavam semi-cerradas e a luz da sala de entrada era diáfana, quente e macia como uma carícia secreta e apaziguadora.Vi de relance a minha imagem no espelho da entrada e por momentos não me reconheci na minha nudez. O meu corpo, que todos criticavam silenciosamente por não ser cem por cento masculino, exibia-se ali pleno, curvilíneo e sem equívocos. Pela primeira consegui amá-lo.
Subi as escadas rumo ao quarto. Primeiro a correr para me esconder. Depois voltei a descê-las e a subi-las, desta vez lentamente. A sensação do corpo liberto de roupas e das nádegas a roçarem uma na outra a cada degrau dava-me uma sensação de prazer que nunca sentira antes e queria prolongá-la enquanto pudesse, longe dos que estavam para vir e que poderiam chegar a qualquer momento.
Já no quarto peguei numa toalha e comecei a secar-me, perscrutando a praia pela janela, atrás das cortinas. Ao voltar-me vi um vulto à porta do quarto. Primeiro pensei, assustado, que se tratava de uma alucinação provocada pelo encadeamento da luz da janela. Depois percebi que Bernardo estava realmente ali, os calções de banho molhados e colados às pernas e o cabelo deitando pingos de água que caíam pelo corpo.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntou ele – Vi-te a correr para aqui sem fato de banho...
- Não... nada... – respondi eu, colocando a toalha em frente ao sexo e esperando, de olhos postos no chão, que ele se fosse embora.
Mas ele não se foi embora.
Em vez disso, entrou no quarto, fechou a porta delicadamente e, quando eu me dirigi a ela para fugir rumo à casa de banho com o intuito de encontrar um refúgio para o meu embaraço, ele segurou-me o braço. A mão era grande e musculada, mas o toque era como de quem segura em algo frágil que não quer quebrar. A toalha caiu no chão. Quando os seus dedos me elevaram o rosto, os nossos olhares fixaram-se. Vi-lhe então as pupilas dilatadas e soube que o seu desejo era genuíno e intenso. O calor que o seu corpo emanava era quase palpável e sentia-o como se me atravessasse a pele. Percebia o seu cheiro sem o saber definir e a rigidez inicial sentida por mim foi dando lugar a uma espécie de languidez extática que nunca sentira antes. Cada toque assinalava a materialização de diferentes partes do meu corpo. Abraçámo-nos longamente. Não sabia o que fazer, por isso limitava-me, no início, a mimetizar. As suas mãos acariciavam-me a nuca, costas, glúteos e iam penetrando mais intimamente, os dedos massajando ao de leve em redor do ânus. Sentia o seu sexo roçar entre as minhas pernas.
Depois, afastando-me suavemente, acariciou-me os mamilos, agora inchados, com os polegares e lambeu-os longamente. Fechei os olhos. A sensação era tão inebriante e intensa que gemi. Ele parou e ergueu-se, temendo ter-me magoado.
Ao abrir novamente os olhos, observei uma gota de água prestes a cair do seu lóbulo direito e apeteceu-me sorvê-la. Senti o seu sabor intenso e os meus lábios procuraram mais gotas pelo rosto, pescoço, ombros, peito, linha alba, ventre, chupando-as lentamente, saboreando cada uma, sempre na expectativa ávida e sôfrega da próxima. Acariciei-lhe os tornozelos, subindo pelas pernas e coxas. Não me atrevi na zona do sexo. Apercebendo-se da minha timidez, ele soergueu-me pelos ombros, baixou os calções e colocou o pénis rijo na minha mão. Acariciei-o sentindo as veias dilatadas sob a pele e o calor fremente. Depois, passando o braço sobre os meus ombros e puxando-me contra si, encostou a sua glande à minha e com a mão acariciou-as simultaneamente, de forma ritmada. Um fervor de excitação ia aumentando gradualmente e a sensação de prazer subsequente foi tão intensa e dilacerante que tive de me abraçar a ele para não sucumbir e cair. Ficámos uns instantes abraçados, mudos, até que ouvimos alguém lá em baixo que acabara de chegar. Ele vestiu os calções à pressa, beijou-me a testa e saiu do quarto antes que alguém entrasse. Tentei roubar-lhe um beijo nos lábios, mas este não se concretizou. O meu corpo estremecia não só pelo que se passara mas também pelo sentimento de insatisfação que se começava a insinuar. Sentia-o arrefecer paulatinamente e antes de me decidir a fazer o que quer que fosse para sair daquela experiência iniciática fiquei uns instantes a contemplar uma via láctea de sémen espraiada pelo chão.
A.F.

Chá e muita Simpatia

Eduardo não gostava de ir às longas visitas em casa da tia Briolanja. Por isso, um dia, ele pediu-me para o acompanhar.
Nunca namorámos verdadeiramente. Éramos uma espécie de objets de plaisir um do outro e tínhamos uma intimidade sensual e infantil.
A tia era uma senhora majestosa com uma meticulosidade muito própria em todos os rituais sociais, o que requeria tempo, disponibilidade e paciência. Fazer-lhe uma visita implicava longas esperas, circunlóquios e divagações, o que poderia durar horas.
Durante todo o caminho para casa da tia, Eduardo e eu íamo-nos provocando mutuamente.
Ele tentava passar-me rasteiras… ou escondia-se entre as árvores das alamedas desertas para aparecer inesperadamente um pouco mais à frente.... ou imobilizava-me de encontro às paredes de ruelas obscuras para meter a mão debaixo da saia do meu vestido de algodão, beijar-me o pescoço e acariciar-me o clitóris com um dedo hábil e insistente.
Eu fazia-lhe cócegas, abria-lhe a braguilha, passando a mão pelo membro rijo que espreitava e fugia a seguir, tentando escapar em vão às suas mãos e às retaliações lúbricas que ele me infligia e que, por vezes, me iam provocando pequenos orgasmos.
Finalmente chegámos a um palacete rosa e branco de dois pisos e tocámos ao sininho de entrada. Durante os dez minutos de espera, encostados a uma árvore frondosa do passeio, praticámos toda uma série de linguados. Ele apalpava-me os seios e eu enterrava as mãos por entre as calças rumo às nádegas que se contorciam. Felizmente ninguém passou na rua, porque seríamos certamente presos por atentado à moral pública.
Ao ouvirmos a porta abrir, parámos subitamente e com a compostura descarada habitual, Eduardo saudou Emília, a rapariga de serviço e beijou a tia no rosto. Apresentou-me como uma amiga de longa data e eu fui cumprimentada com dois beijos dados no ar.
A tia Briolanja caminhava auxiliada por uma bengala de homem com castão de prata e no todo parecia uma personagem parada no tempo, algures nos anos 30 ou 40. Usava um vestido em seda lilás com um corte impecável e os cabelos eram branco prata, ligeiramente ondulados, presos atrás com uma travessa em tartaruga. O que mais me fascinou foi o colar de pérolas que usava nesse dia, de várias voltas e rematado com um fecho onde reluzia uma água marinha. Não sei porquê mas imaginei-a jovem e nua no meio de um boudoir, usando apenas aquela jóia e posando para alguém depois de uma sessão de sexo tórrido, secreto e silencioso numa casa insuspeita, repleta de gente bem comportada e vigilante.
Na sala profusamente decorada como um postal de Natal da época vitoriana, Eduardo e eu fomos sentados num sofá de brocado de cetim cinza com apliques florais em veludo (uma combinação inusitada mas de bom gosto, pensei eu).
À frente do sofá estava a mesinha de chá com as chávenas de porcelana, um prato com pastéis de nata e um outro com um bolo pequeno e redondo coberto de creme moca polvilhado de confetis de açúcar coloridos.
Eduardo sabia que eu gostava de bolos com creme e tinha o hábito de me lamber a boca quando eu estava a comer um. Ao ver a mesa posta sorriu de relance para mim e passou a língua pelos lábios. Eu desviei o rosto, temendo rir-me com a careta dele e ter de dar explicações.
Sentámo-nos no sofá ao mesmo tempo que o relógio da lareira, com um fauno perseguindo uma Flora em bronze, assinalava as 16.30.
Depois de ter conversado alguns minutos connosco, a tia Briolanja levantou-se e disse que ia ver se o chá já estava pronto. Referiu, desculpando-se, que teria de ir verificar pessoalmente se tudo estava a correr bem porque Emília não sabia medir quantidades, nem verificar a abertura das folhas.
Assim que saiu e fechou a porta, Eduardo começou a fazer-me cócegas.
Eu não consegui controlar o riso.
Tentei fugir das suas mãos, desequilibrei-me e caí.
Levantei-me e ele ajoelhou-se aos meus pés, pegou na faca do bolo e retirou com ela um pouco de creme.
Olhou para mim com os olhos brilhantes, em suspense.
Deixei-o levantar-me a saia, baixar as cuecas, barrar-me um pouco da nádega direita com o creme e lambê-lo. As suas mãos enterravam-se nas minhas coxas, o contacto da sua língua em carícias espiraladas era agradável e eu deixei-me bajoujar por ela perante o olhar de um velho vetusto de bigode retorcido pintado a óleo e pendurado na parede.
Gostaria de ter sido penetrada naquela altura, mas tivemos de parar porque começámos a ouvir passos no corredor. O soalho de madeira com caixa de ar em baixo permitia dar conta de todas as aproximações, por mais subtis que fossem.
Ele sentou-se repentinamente para disfarçar a erecção que despontava das calças e eu fingi ver o relógio da Flora e do fauno, com os braços cruzados para disfarçar, simultaneamente, a minha perturbação e os mamilos rijos que despontavam como se fossem de pedra (nesse dia eu não trazia sutiã e o vestido era implacável na modelagem das formas).
Felizmente a tia Briolanja não reparou (ou pelo menos fingiu não ter reparado) que o bolo tinha sido profanado. Emília serviu o chá, saiu e seguiu-se a tradicional conversa entre pessoas de família sobre pais, irmãos, estudos. Depois vieram as recordações e, a propósito de qualquer episódio da infância de Eduardo, a tia lembrou-se que tinha no quarto alguns álbuns com fotografias que gostaria de lhe mostrar e insistiu em ir buscá-los.
Seguiu-se uma nova ausência.
Eduardo abriu as pernas com um sorriso obsceno e as suas calças mostravam que a erecção ainda não tinha passado. Estendi a minha mão e acariciei-lhe a protuberância.
Num ímpeto ele meteu as mãos entre as minhas pernas e finalmente, olhando-nos mutuamente olhos nos olhos, consegui libertar o orgasmo que ficara em suspenso uns momentos antes.
Ele abriu o fecho, retirou o pénis e roçou-o pela minha perna nua.
Eu peguei num pastel de nata e mergulhei-o na sua ponta, rodando-o várias vezes até espalhar bem o creme. Depois lambi-o e chupei-o lentamente. Eduardo fechou os olhos e soltava pequenos gemidos à medida que a excitação ia aumentando. Quando ele estava quase a vir-se, ouvimos novamente os passos que se aproximavam. Atabalhoadamente, ele escondeu o pénis debaixo do pullover de gola em bico aos losangos, os olhos nublados pela excitação não satisfeita.
A tia Briolanja entrou com dois álbuns enormes e pediu ajuda a Eduardo para a ajudar a pô-los na mesa.
Eduardo ficou em pânico e eu segredei-lhe:
- Levanta-te Eduardo, vai ajudar a tiazinha a pôr os álbuns na mesa…
Ele olhou para mim com um ar de mártir pronto a ser atirado aos leões (foi a única vez na vida que o vi vulnerável) e eu abafei uma gargalhada perante o cenário que se avizinhava: Eduardo, com um ar de beto que não parte um prato, a levantar-se com o pénis erecto escondido no pullover e a tia soltar um gritinho e exclamar:
- Ai Eduardinho, que tens? Estás doentinho?
No entanto, a minha alma benevolente falou mais alto e eu levantei-me a tempo de ajudar a velha senhora e, por acréscimo, salvar a honra de Eduardo. Enquanto isto se passava, Eduardo precipitou-se para a casa de banho e voltou depois mais calmo e a visita decorreu normalmente, sem mais percalços eróticos.
À saída, a tia perguntou-me se eu não apreciava pastéis de nata. Tinha-se apercebido da massa esvaziada no meu prato. Eu respondi-lhe que apreciava mais o recheio. Ela respondeu:
- Ai sim? Eu também!
E sorriu-me.
Foi assim que ficámos amigas a partir daí.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Tangas Lésbicas - Um convite à publicação

Já recebemos umas dezenas de contos para a edição 2010 dos Contos Tangas Lésbicas, mas como algumas já receberam tarde o anúncio do concurso, o prazo vai até fim de Maio, para dar tempo às interessadas.

Relembro que o livro de contos de 2009 vai ser lançado em Junho, no Porto, em Lisboa, na Galiza e no Rio de Janeiro.