
domingo, 6 de março de 2011
Francisco, 34 anos, Transexual não operado

sexta-feira, 4 de março de 2011
O colar de pérolas

Aquele dia era igual aos outros. Todos os dias a via passar, ora para um lado, ora para o outro, com o seu ar profissional e inabalável onde nada falhava.
Aquele dia não foi excepção. Lá passou ela, com o seu vestido justo, sóbrio e sério mas que deixava ou ver ou imaginar todos os contornos do seu corpo. E que contornos de perder a concentração! O decote no ponto certo, as meias de vidro e o colar de pérolas vermelho que, por distracção, ou quem sabe, de propósito, lhe entrava naquele declive por dentro do vestido. Mas porque faria ela aquilo?! Ficava louco! Só lhe apetecia levantar-se, correr atrás dela e tirar-lhe, não o colar de dentro do vestido mas o vestido de fora do colar.
Transpirava cada vez que ela passava. E só voltando a esconder os olhos por dentro dos óculos e focando perto em vez de focar a meia distância começava a sentir o seu corpo arrefecer e desdivagar no corpo daquela mulher escultural.
A safada sabia. Espreitava-lhe o olhar desorientado cada vez que passava. Media milimetricamente o desencontro dos seus olhares. Olhava-o apenas quando ele desistia e voltava a pousar o seu olhar naquele ecrã monocórdico e monocromático. E ele não sabia. Não sabia que, na realidade ela passava ali sempre de propósito. Sabia-lhe bem sentir aquele olhar roçar-se nela. Gostava de pensar que um dia se encontrariam fora dali e que, um dia, quem sabe, se despiriam sem só com o olhar…
quinta-feira, 3 de março de 2011
Cinema Paraíso

Um beijo. Dois beijos.
Um beijo são mil coisas.
Dois beijos
São duas mil coisas
Ou então não são nada
Ou são apenas
Um beijo e outro beijo.
Um abraço.
Um abraço
Pode ser um xi-coração
Pode ser muito
Pouco ou nada
Quase sempre um gosto de ti.
Um abraço e um beijo
Podem ser cem mil coisas
Ou então sem mil coisas.
Pode ser ou não ser
Ser tudo ou não ser nada.
Dormir.
Pode ser um sono
Pode ser um sonho
Ou uma insónia
Ou um pesadelo.
Beijaste-me.
Abraçaste-me.
Dormiste comigo.
Dormiste em mim.
E o que é?
O que foi afinal?
Não faço ideia!
Mas foi assim!
quarta-feira, 2 de março de 2011
Asdrubal

O circo de Asdrúbal chegara nessa noite àquela pequena vila piscatória. O espectáculo era só amanhã mas começava já hoje. Enquanto se montavam tendas e barracas, Asdrúbal já pensava noutras montarias.
Guiado pelos cheiros e pelos ruídos surdos ou talvez simplesmente pelo seu talento em descobrir rabo de saia, lá foi parar ao que seria o bar mais in lá da zona.
Entrou com ar de rei na barriga, que é como diz com ar de “Querida, cheguei!!!”, dirigiu-se ao balcão e rodou os olhos pela sala. Pediu um whisky velho e, com ele na mão direita e mão esquerda no bolso, foi ter com a louraça lá do canto que fumava um cigarro no canto da boca.
Fez ar de pintas, franziu um sobrolho e espremeu uma espécie de sorriso por meia boca fora.
Ela leu-lhe a figura, o desejo e o tamanho do amontoado ali na zona da braguilha. “30 minutos, 50 euros”, disse-lhe. “É o preço de época baixa, estamos em saldos”.
Como quem cala consente e apenas silêncio se ouviu da boca de Asdrúbal, a louraça levantou‑se, entrou no corredor e ele seguiu-lhe a silhueta.
A porta trancou-se e destrancou-se a fera. O leão eriçou-se e soltou o cabelo, empurrou a louraça para cima da cama e atirou-se-lhe como se sobre a sua presa se lançasse. Já desceu as calças e de um só lanço lhe desprende os botões da blusa, lhe sobe a saia e lhe arranca as cuecas.
Afoga-lhe a cabeça no peito e sem dó nem piedade nem pingo de respeito ou meiguice enfia‑se-lhe desenfreada e desesperadamente. E numa cadência rápida e atabalhoada, uma busca atrapalhada de algo que desconhece mas não está ali.
Já está, já explodiu. Mas Asbrúbal só sente o vazio…
É que Asdrúbal é trapezista… mas ele queria mesmo era ser domador de leões…