sexta-feira, 4 de março de 2011

O colar de pérolas

Aquele dia era igual aos outros. Todos os dias a via passar, ora para um lado, ora para o outro, com o seu ar profissional e inabalável onde nada falhava.

Aquele dia não foi excepção. Lá passou ela, com o seu vestido justo, sóbrio e sério mas que deixava ou ver ou imaginar todos os contornos do seu corpo. E que contornos de perder a concentração! O decote no ponto certo, as meias de vidro e o colar de pérolas vermelho que, por distracção, ou quem sabe, de propósito, lhe entrava naquele declive por dentro do vestido. Mas porque faria ela aquilo?! Ficava louco! Só lhe apetecia levantar-se, correr atrás dela e tirar-lhe, não o colar de dentro do vestido mas o vestido de fora do colar.

Transpirava cada vez que ela passava. E só voltando a esconder os olhos por dentro dos óculos e focando perto em vez de focar a meia distância começava a sentir o seu corpo arrefecer e desdivagar no corpo daquela mulher escultural.

A safada sabia. Espreitava-lhe o olhar desorientado cada vez que passava. Media milimetricamente o desencontro dos seus olhares. Olhava-o apenas quando ele desistia e voltava a pousar o seu olhar naquele ecrã monocórdico e monocromático. E ele não sabia. Não sabia que, na realidade ela passava ali sempre de propósito. Sabia-lhe bem sentir aquele olhar roçar-se nela. Gostava de pensar que um dia se encontrariam fora dali e que, um dia, quem sabe, se despiriam sem só com o olhar…