sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ainda não eram nove horas da manhã quando Joana tocou à campainha. Filipe ainda se estava a vestir mas correu para a porta apenas com o roupão vestido, excitado que estava com a ideia que aquele dia seria celebrado de maneira singular. Era a primeira vez que Joana o visitava em sua casa e, ao vê-la, deparou-se com o olhar penetrante dos seus olhos verdes que tinha conhecido há mais de dez anos, numa relação que perdurava no tempo graças à sensualidade que emanava daquele corpo alto e bonito.

Joana fechou a porta atrás de si com o pé e deixou cair a mala no chão ao mesmo tempo que se lançava nos seus braços, beijando-o. Nestes momentos, nem sequer murmuravam uma palavra pois o sorriso cúmplice de ambos fazia perceber que o desejo era imenso e que não havia tempo para palavras de circunstância.

O beijo era um ritual iniciático, longamente encenado, um preliminar absoluto em que o silêncio era apenas quebrado pelos suaves murmúrios de ambos e prolongado tanto quanto fosse possível proporcionando que os seus corpos reagissem de forma ondulante e sensual. Procuravam os lábios um do outro como se quisessem engolir-se, numa sofreguidão avassaladora, ora entrelaçando lentamente as suas línguas ora permitindo que o outro penetrasse profundamente de forma a se oferecerem mutuamente.

Joana gostava de sentir que provocava em Filipe uma erecção quase imediata e serpenteava o seu ventre procurando transmitir esse prazer para o seu próprio corpo que oferecia na ânsia de poder ser possuída de seguida. Ele aproveitava estes momentos para a agarrar com força, puxando-a para si e fazendo escorregar as suas mãos até às suas nádegas que apalpava com furor progressivo, utilizando os seus dedos para penetrar com sensualidade nesse espaço mágico que as separava, descendo ao fundo das suas costas e entalando-os até que lhe atingisse o sexo. Ela, por sua vez, procurava-o, mexendo-lhe no peito firme que Filipe cuidava em diários exercícios matinais de modo a evidenciar um corpo elegante que mantinha desde que tinha estado no serviço militar e que pretendia enaltecer como modo de se insinuar junto dela. Acariciava-o frequentemente e gostava de o fixar olhos nos olhos quando se decidia agarrar-lhe o sexo. Era um sentimento de posse que gostava de demonstrar, para se consolar pessoalmente, como para dizer: És meu!

Joana era aparentemente uma mulher decidida, muito activa na sua vida quotidiana e transbordando energia, pois executava várias tarefas durante o dia, guiando de um extremo ao outro da cidade, atendendo chamadas e enviando mensagens através dos dois ou três telemóveis que trazia consigo, tentando acudir a todas as solicitações dos filhos e dos pais que recorriam a ela sistematicamente. Dedicara-se inteiramente à sua família nuclear mas não tinha uma carreira, uma profissão, nem sequer um emprego fixo o que lhe permitia estar livre para se entregar aos permanentes encontros que mantinha com Filipe. Procurava e necessitava destes momentos de luxúria pois representavam a satisfação das suas mais íntimas fantasias o que praticava com assiduidade pois encontrava neles um modo de estabilizar o seu débil casamento.

Filipe era mais velho cerca de quinze anos e prestara-se a ser o seu amante ao longo dos anos decidindo manter essa relação para poder dedicar-se à sua profissão que desempenhava com empenho e audácia. Era um reputado artista que utilizava a fotografia como meio e tinha trabalhado durante muitos anos para a publicidade, fotografando todos os temas, especialmente o retrato. Foi numa dessas sessões que conhecera Joana e em que fixou o seu sorriso e os seus belos dentes, quando fora seleccionada para ser fotografada para uma campanha de um dos seus clientes. Desde então, mantinham uma relação diária que começava cedo com uma chamada telefónica logo pela manhã e, invariavelmente, com uma mensagem “Adoro-te” ou “Obrigado” ao cair da tarde antes de regressar a casa para desempenhar o papel da mãe extremosa e mulher dedicada.

Joana despia-se rapidamente para que Filipe a pudesse beijar e mordiscar os bicos dos seus peitos e lhe metesse a mão entre as pernas, proporcionando-lhe um prazer progressivo que aproveitava largamente. Sabia que ela compararia aqueles momentos em conjunto de forma bastante melhor do que aqueles em que o fazia solitariamente. Ele mexia-lhe com os dedos docemente, acariciando-a com mestria, excitando-a. Ela queria também saborear o corpo de Filipe e tinha aprendido com ele o sentido do tempo e a importância da noção de “duração” na prática da fotografia agora transposta para a sua relação amorosa, assim como a diferença entre “beleza” e “sublime”, a propósito das frequentes referências àquela relação que gostavam de considerar como romântica.

Filipe pensava que tinha conseguido devolver-lhe a auto-estima necessária para que ela se sentisse “mulher” depois de alguns anos de um casamento que mantinha sem qualquer interesse com um oficial da marinha que passava semanas embarcado e que se dedicava ainda, nos tempos livres, a jogar ténis para recuperar os dias passados no mar.

Joana tinha construído um modelo de vida baseada numa ilusão, organizada em torno de uma ideia fictícia de felicidade em que confundia a “realidade-real” com a realidade-imaginada” transformando-a numa simulação organizada e que lhe permitia utilizar a força dos contrários, presença e ausência, verdadeiro e falso, real e imaginado, a favor de si própria, tal como Madame Bovary.

«Gostava do mar apenas pelas suas tempestades e da verdura só quando a encontrava espalhada entre ruínas. Tinha necessidade de tirar de tudo uma espécie de benefício pessoal e rejeitava como inútil o que quer que não contribuísse para a satisfação imediata de um desejo do seu coração - tendo um temperamento mais sentimental do que artístico e interessando-se mais por emoções do que por paisagens».

Agora experimentavam os limites da paixão, entregando-se e oferecendo-se na convicção de que, assim, provariam o amor um pelo outro. Ele tinha-lhe proporcionado os momentos de maior prazer da vida o que a levou a afirmar-lhe, num momento de rara confidência, que tinha tido com ele o primeiro orgasmo. Com ele libertava-se progressivamente de falsos pudores e procurava encontrar pleno prazer quando se excitava ao limite, deixando-se cair exausta sobre a carpete.

Gostava de o possuir enquanto ele a penetrava de modo a excitá-lo com a sua massagem e proporcionava a Filipe ocasiões informais, aliciando-o para outras partes do atelier e, agora também da sua casa, para se colocar em posições que permitissem entrelaçar-se de forma mais erótica e que não lhe recordassem as fastidiosas e entediantes aproximações que o marido, poucas vezes aliás, lhe dedicava.

Os minutos tinham passado lentamente após terem feito amor no sofá e o olhar de Joana ter vagueado pela sala, tentando fixar na sua memória todos os pequenos detalhes, quando resolveu murmurar: Tenho uma coisa para te dizer, Filipe! Disse com ar sério. Parto amanhã para Barcelona aonde vou viver enquanto C. estiver a cumprir uma comissão de serviço! Não te poderei ver mais!

Joana vestiu-se apressadamente e nervosa atendeu o telemóvel. Sim, estarei aí dentro de cinco minutos! Estou quase a chegar! Despediu-se de Filipe sem o beijar e saiu a olhar para o chão.

Ao final da tarde, Filipe recebeu uma mensagem: Adoro-te!

Filipe Martins