quinta-feira, 25 de março de 2010

Escritores eróticos procuram-se

por Diana Garrido, Publicado
em 09 de Dezembro de 2009

Há literatura erótica em Portugal? Quem a escreve? Falámos com autores, editores e escolhemos algumas passagens dos poucos livros que existem
"Que puta de tesão o homem me dava! [...] Imagina a sensação de estar só, de repente, tudo! Tudo surge limpo e claro e terno e nu [...] Desejo que me matava, voava e morria ao mesmo tempo, morria e voava."Vera Galpe, um pseudónimo "tirado de uma lista escrita por amigos" demorou um ano a escrever "Vírgula, Caralho" e dois a corrigi-lo. A obra "nasceu da vontade de escrever sobre desejo e sexo". "Tinha acabado de ler 'As Onze Mil Vergas' de Apollinaire, fez-me rir de tanto horror. Eu não queria horror. Estava apaixonada. E decidi escrever a minha versão do mundo entre as pessoas." O livro, editado em 2007 pela Asa, de capa rosa-choque, não desvenda a identidade por trás das palavras sem pudor, às vezes agressivas e quase sempre cruas. Para Vera "o sexo é o corpo cheio de vida, o amor a querer passar, é o poder de rasgar". Escreve porque precisa e diz que quando o faz se sente "quase feliz". Os textos saem-lhe da imaginação, que alimenta com vários autores estrangeiros, já que em Portugal há poucos escritores do género. Segundo Vera Galpe, isso tem a ver com as limitações do país: "O preconceito existe e não me parece que vá desaparecer. Os homens e as mulheres desta terra são silenciosos. Nesta terra fode-se às escuras."Os especialistas
Para Francisco Lyon de Castro, da editora Europa-América, a pouca quantidade de obras eróticas de autores portugueses está relacionada, também, com o mercado: "É muito pequeno. Por outro lado, as cadeias de hipermercados e vários livreiros não apostam neste tipo de literatura, por uma questão de pudor, de censura, classificando as obras, várias vezes, como livros pornográficos."Carlos da Veiga Ferreira, editor da Teorema, também acha que a questão se prende com "o pudor e o preconceito que ainda existe. Em segundo lugar a escrita erótica é muito difícil, já que a fronteira entre o erotismo e a pornografia é muito ténue." Para Carlos, essa fronteira é feita "através da qualidade literária. Não são os temas nem a linguagem, é a qualidade da escrita". A Teorema, que publicou uma colecção erótica intitulada Canto Nono, tem, no entanto, poucos livros editados e apenas um de autoria portuguesa: "O nosso objectivo era apresentar literatura erótica de qualidade e isso é muito difícil conseguir." Carlos acredita que haverá muita literatura deste género na gaveta, mas nas obras mais recentes a linha erótica é pouco explorada. "Parece haver uma espécie de pudor em abordar esse tipo de temas." Joana Almeida é psicóloga, sexóloga e formadora de workshops de escrita erótica na Escrever Escrever (www.escreverescrever.com). O objectivo é "libertar a vergonha, fazer com que se deixem levar pelas fantasias, brincar com os tabus".O facto de haver tão poucos autores dedicados a este género pode "ser reflexo de uma cultura com muitos tabus e pouco desinibida". Quanto à dificuldade da escrita deste género, há certas questões a ter em conta: "Muito erotismo pode ser considerado pornografia para algumas pessoas. O que é excitante para uns pode ser ofensivo para outros. Na minha opinião é positivo que o erotismo não tenha uma linha clara e definida como, por exemplo, os filmes pornográficos têm. Explorar fantasias e fetiches pode ser saudável."As mulheres no erotismo "Então, pela primeira vez, masturbei-me à luz do dia, com o sol a entrar a rodos pelos vidros martelados da casa de banho. Toda nua e molhada, encharcando o chão e sem me ralar com isso [...] sentindo o sol e os olhos do mundo a baterem-me nas costas [...]" A personagem de "Todo o Começo É Involuntário" é uma mulher cujos desejos foram sempre estrangulados por uma mãe controladora e puritana. A sua autora, Maria Isabel Moura, escreveu o livro "para testar as garras". "É um tema muito difícil e queria ver se conseguia manter-me na raia o mais possível. A fronteira entre o erotismo e a pornografia é muito ténue e está na escrita. Uma escrita sem qualidade e entra-se na pornografia. É uma questão estética."Segundo Carlos da Veiga Ferreira, a obra é "um romance erótico muito forte". O livro, que pertence à colecção Canto Nono, da Teorema, tem prefácio de Urbano Tavares Rodrigues, que considera a autora "uma contadora de histórias na linha de Sade, Henry Miller e Anaïs Nin". A comparação agrada-lhe: "Fiquei muito lisonjeada porque era o que pretendia. São três ícones do erotismo e ser comparada a esse nível é uma honra." Maria Isabel Moura, natural da Covilhã e colaboradora do "Jornal do Fundão", escolheu não se esconder atrás do anonimato nem de um pseudónimo: "Entrei no 25 de Abril já mulher e aprendi que temos de fazer as coisas pelos nossos próprios pés, temos de enfrentar as coisas de caras. Choques violentos são necessários em qualquer época. E eu queria ser confrontada, queria dar muitas explicações. Mas isso não aconteceu e não faço a mais pequena ideia porquê."Sexo Off the Record "Quando o querer é verdadeiro, amar e foder significam exactamente a mesma coisa." Para Paula Santiago, pseudónimo de uma jornalista de 37 anos, a fronteira entre erotismo e pornografia está "no sentimento e na escolha das palavras". O seu livro, "Sexo Off the Record", é uma obra autobiográfica que descreve as aventuras sexuais e sentimentais de uma estagiária com o seu editor, na redacção de um diário do Norte. A aventura começou no blogue "Palavras Quentes" em jeito de diário aberto a todos. Por outro lado, quis testar-se e perceber se seria capaz de "escrever textos eróticos sem descambar para a pornografia". "A maioria dos blogues que lia, ao fim de três linhas tornavam-se pornográficos, um bocado como os filmes. Eu quis escrever uma história suave, que não fizesse corar ninguém, que as pessoas não tivessem de se esconder para ler." Foi por isso que quando surgiu o convite da editora 7 Dias 6 Noites, a autora não hesitou. Quanto ao pseudónimo, pretende mantê-lo: revelar a verdadeira identidade não está nos seus planos, já que não sabe que consequências isso traria para a vida profissional e familiar. "Ainda há muito preconceito e muitos tabus."