quinta-feira, 25 de março de 2010

O Erotismo em português é piroso e risível

Por Isabel Lucas
4 Janeiro 2008

Das razões de pouco se escrever sobre sexo em português
"Às vezes, em roda de amigos, citamos uma série de passagens do romance contemporâneo sobre sexo. Geralmente são citações pirosas, kitsch, muito risíveis. Não sei se se pode daí depreender que os escritores portugueses não têm intimidade com o sexo; mas a generalidade das descrições são muito pirosas." Francisco José Viegas, jornalista, escritor, autor de romances como Longe de Manaus ou Lourenço Marques (Asa), tenta encontrar explicação para o que o crítico literário Pedro Mexia considerou ser, numa crónica antiga, "um trauma da ficção portuguesa": a maneira como por aqui se fala ou escreve sobre sexo. "É foleira", disse.
E disse-o a propósito de um dos excertos mais comentados nas páginas literárias, na blogosfera, mas, sobretudo, nas tais rodas de amigos a que se refere Viegas. O romance em causa é Codex 643 (Gradiva), de José Rodrigues dos Santos, e a passagem, a que se segue: "Quando um dia for casada e tiver um filho, vou fazer sopa de peixe com o leite das minhas mamas." A frase dita por uma estudante sueca do programa Erasmus dirige-se a Tomás, um professor catedrático de 35 anos. Não há um palavrão, mas o indício de todo o ambiente: "Uma erecção gigantesca a formar-se nas calças de Tomás. (...) Lena tirou todo o seu seio esquerdo para fora do decote de seda azul (...) Aproximou-se do professor; em pé, ao lado dele, encostou-lhe o seio à boca. Tomás não resistiu. Abraçou-a pela cintura e começou a chupar-lhe o mamilo saliente."
Numa antologia sobre o tema O Erotismo na Ficção Portuguesa do Século XX, (Texto Editora) António Mega Ferreira chama a atenção, no prefácio, para a escassez de obras de cariz erótico fora da poesia, uma "espécie de rasura do erotismo na prosa narrativa". Isso leva a que Frederico Lourenço sempre que escreve sobre sexo se refugie na "conceptualização".
Motivos? Apontam-se alguns. Francisco José Viegas, como Frederico Lourenço, vai ao vocabulário. "Talvez o problema seja da linguagem à matéria sexual. O nosso vocabulário de sexo é muito pobretanas; não temos a malícia brasileira, evidentemente, onde 'pau'; é 'pau' e não 'pénis', 'pixota', 'pila' e outras coisas que transformam qualquer cena de sexo num fragmento de pornochanchada alemã." Ou, como prefere Lourenço, é fácil cair na pornografia, na obscenidade". Por isso, declara a sua incapacidade de escrever sobre o assunto. "Não consigo."
Encontrar a palavra. Essa a grande dificuldade segundo Miguel Sousa Tavares, autor do romance Equador e do recente O Rio das Flores. "O problema não é o conteúdo. É o mesmo que escrever sobre uma casa, uma paisagem. Escrevo sobre o que existe. O sexo existe e escrevo sobre ele. A dificuldade é não cair no mau gosto e aí a língua portuguesa não facilita. Como se descreve, por exemplo, o peito de uma mulher? O idioma é muito rico em muitos aspectos, mas não no sexual. Ou temos o palavrão ou a palavra pirosa." Como salienta Francisco José Viegas, "todos temos uma lista de frases assassinas para recordar. Às vezes são, até, descuidos nossos".
Descuido dos escritores, sublinhe-se. Vasco Graça Moura chama a atenção para o risco de se cair facilmente na pornografia. "Pornográfico é o erótico visto de muito perto", refere o escritor. José Rodrigues dos Santos, autor do trecho atrás transcrito, tem menos pudores e confessa que não se sente limitado pelo vocabulário. "Em arte não há regras. O que uns acham horrível, outros acham belo", declara o autor do recente O Sétimo Selo (Gradiva). Para ele não existem "dificuldades especiais além das inerentes à escrita ficcional. Tudo é possível, desde o verosímil ao inverosímil", " até o ultrajante"...
Faltarão mulheres a escrever sobre o assunto, como sugeres Viegas? "Talvez a linguagem evoluísse, se se libertasse, ou melhorasse bastante. Desde que escrevessem sobre sexo e não sobre fisiologia ou males da alma. O romance português vive ainda uma fase pedagógica e didáctica, onde cada cena de sexo é acompanhada de uma teoria, chamando a atenção para a raridade dos orgasmos ou para a delicadeza da situação. Se me perguntassem directamente, sim, diria que se fode mal na literatura portuguesa."
Margarida Rebelo Pinto confessa o gosto por estas passagens. "Escrever sobre erotismo mexe com as vísceras, com o que temos de mais básico." Não se vê a cair no mau gosto. "Pinto o mundo de cores suaves e, mesmo quando sou crua, não tenho medo das palavras nem de cair em coisas vulgares porque acho que não vou lá parar. Mas não travo nada."